segunda-feira, 4 de agosto de 2014

Meu (e nosso) Caminho do Ser Tão - ou Anotações Para Todos Nós

Anotações Para Mim Mesmo

Deixa o começo
ser começo, apenas

Deixa ao começo
a dúvida viva

Pois, se o encher de
certezas,
te fecharás para o novo

Que só caminhando
se apercebe

Deixa o começo
ser começo, apenas

Para que possas
ocê mesmo
ser teus próprios meios

E esquecer-te
de quem eras
para saber quem afora
sois

*

Escolhi este poema para iniciar essa jornada. E agora que estou de volta a São Paulo, aos trabalhos, a exatamente as mesmas coisas que fazia antes de partir para o Sertão, não sei mais quem sou. 
Mas sei um pouco do que fui, lá fora, lá longe. Sei um pouco do que fomos: ternura.

Como disse meu amigo irmão, para mim também não é nem um pouco habitual abraçar tanto tantas pessoas num mesmo dia, tampouco pedir e dar massagens, afagos, sorrisos, ou o mais simples e sincero olhar no olho pra ver se está tudo bem. 
Não me era habitual passar ao menos 1/4 do dia cantando, ou bolando rimas e cantigas pra brincar com os amigos, pra alegrar o nosso dia. Não me era habitual, confesso, oferecer sempre aos outros absolutamente tudo o que eu tinha em mãos, a qualquer momento, sem pestanejar. Não me era habitual ir dormir cheio de dores e acordar com mais dores ainda, mas também cheio de alegria.

Posso dizer que, apesar de ainda não saber muito o que sou nessa pós jornada (não que eu soubesse muito antes de ir, mas enfim...), constato que, apesar da irônica tristeza de não mais levantar ao som de ACORDA MARIA BONITA, da saudade sem fim dos sorrisos de todos, e da falta que as pernas sentem de se acabar em caminhos dos Gerais... apesar disso tudo doer um bocado, constato que, estando aqui de volta, trago um Sertão comigo. 
Trago a gente, trago nossas vozes, nossos olhos, nossas bolhas em nossos pés, e nossos incansáveis sorrisos. Nosso festejar infinito. Nosso axé. 
E espero, mesmo mesmo, conseguir de alguma maneira estender isso aos que aqui se encontram comigo, que não fazem ideia do que foi tudo aquilo, mas que sentem, rapidamente sentem, que o João que voltou trouxe consigo algo muito bonito.
O que lembro, tenho, já dizia meu xará.

E eis que de repente estas Anotações Para Mim mesmo se tornam Anotações Para Todos Nós... vindas de coração, mais do que nunca, e comprovadas no encontro com cada um de vocês, com o Sertão, com o Caminho.

Gasshô.
É nóis.


Anotações para Todos Nós

Abrir os olhos
Abrir o coração em
caminhada

Que a poeira dos passos
de todos me lave
me leve
para um lugar além
melhor de mim

E, com tantos abraços,
afagos, cantos
e sorrisos

Que o brilho dos olhos
do mundo
possa ser como o dessa gente

Calos, bolhas
e paz, contudo.

*

“O capim molhado lavava meus pés”
 (J. G. R.)

*

Rio de gente
de gentes
gentilezas percorrendo
o chão
sorridentes

*

Saudações
de olhos
silêncio que fala
como o vento
em caminhada

*

Ache o seu ritmo
Ache o seu ritmo
Ache o seu coração
no caminho

*

O sol do 
Sertão
revela
a verdadeira cor
da nossa pele

*

“A gente vive, eu acho, é mesmo para se desiludir e desmisturar”.
(J. G. R.)

*
(um poema que escrevi a pouco menos de um ano atrás, quando retornava do Japão e também me encontrava desencontrado, de volta ao que fui mas que já não me era mais)

Como se volta para as antigas roupas?
Que corpo é este que as veste agora?
Que pele as toca?
Que suor as umedece?

Lágrimas me acompanham, sempre.
Sou eu também quem chora?

Como voltar,
se é que há volta?

Como ser
inteiro
a pele que veste
as roupas de agora?

*
E uma pergunta:

Depois que a terra
é lavada
dos cabelos,
unhas e pele,
pra onde vai
o Sertão
em meu corpo?

*

Encerro esta postagem com um poema que eu também escolhi para iniciar a jornada, e li no sarau, em nossa primeira noite juntos.
É de meu poeta favorito, o Thiago de Mello.
Hoje este poema faz mais sentido do que nunca. Vejam só se não faz:


Para repartir com todos – Thiago de Mello (1981)

Com este canto te chamo.
Porque dependo de ti.
Quero encontrar um diamante,
sei que ele existe e onde está.
Não me acanho de pedir
Ajuda: sei que sozinho
Nunca vou poder achar.
Mas desde logo advirto;
Para repartir com todos.

Traz a ternura que escondes
Machucada no seu peito.
Eu levo um resto de infância
Que meu coração guardou.

Vamos precisar de fachos para as veredas da noite,
Que oculta e às vezes defende 
o diamante.
                  Vamos juntos, 
traz toda a luz que tiveres,
Não te esqueças do arco-íris 
que escondestes no porão.
Eu ponho a minha poronga, de uso na selva,
É uma luz que se aconchega na sombra.
Não vale desanimar
Nem preferir os atalhos
Sedutores que nos perdem,
Para chegar mais depressa.

Vamos achar o diamante
Para repartir com todos.
Mesmo com quem não quis
Vir ajudar, falto de sonho.
Com quem preferiu ficar
Sozinho bordando de ouro
O seu umbigo engelhado.
Mesmo com quem se fez cego
Ou se encolheu na vergonha
De aparecer procurando.
Com quem foi indiferente
E zombou das nossas mãos
Infatigadas na busca.
Mas também com quem tem medo
Do diamante e seu poder,
E até com quem desconfia
Que ele exista mesmo.
                                  E existe:
O diamante se constrói
Quando o procuramos juntos
No meio da nossa vida
E cresce, límpido cresce,
Na intenção de repartir
O que chamamos de amor.






*


Muito, muito obrigado a todos os envolvidos neste encontro maravilhoso que foi e sempre será o Caminho do Sertão!

http://ocaminhodosertao.wordpress.com/










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